"Contrabandista de Deus" por um dia

Olhávamos ao nosso redor e tínhamos a "certeza" de que todos naquele grande navio estavam nos observando.

Os irmãos Freitas em Missão de risco e honra através do futebol 

Era verão de 1989. Estávamos atravessando o Estreito de Gibraltar da Europa para o Norte da África. Jamais imaginávamos que dia especial seria aquele que marcaria o resto de nossas vidas.

Esta era uma das primeiras viagens de uma equipe brasileira utilizando o futebol como instrumento de Missão. Uma parceria rara, infelizmente, da Igreja brasileira representada por Atletas de Cristo, Operação Mobilização Brasil e AC LEVAE - Levando o Evangelho Através do Esporte.

Equipe principal de futsal em amistoso em Algeciras, Espanha.

Éramos dezesseis jovens futebolistas cristãos reunidos de varias partes do Brasil e mais cinco integrantes de apoio. Depois de algumas semanas de treinamento e alguns amistosos no Sul da Espanha partimos então para aquele que seria nosso maior desafio na África islâmica.

Lembro bem que o medo era real e quase palpável entre nós. Todos aqueles olhos sobre nós, era simplesmente de apavorar. Afinal, estávamos em alto mar e éramos os poucos ocidentais de uma grande tripulação. Todas aquelas vestimentas “estranhas” e olhares nos fizeram sentir um certo “frio no estômago” que só aumentava com o passar das horas na embarcação.

Como bons brasileiros tentamos driblar a ansiedade e o temor cantando. Infeliz ideia, pois a situação só piorou. Chamamos mais atenção (e suspeita, aos nossos olhos, claro!). 

Mas, o pior ainda estaria por vir. Chegamos no porto de Tanger. Era o momento decisivo. Tínhamos em nossos corpos (dentro das meias, cintura e ombros) e malas muitos novos testamentos e outras literaturas cristãs para serem distribuídas aos cristãos do país. Fomos informados (na verdade, amedrontados) dos riscos se fôssemos descobertos: longos interrogatórios, expulsão ou prisão, quem sabe?!?

Todos as pessoas do navio foram rapidamente liberadas. Mas por algum motivo fomos retidos na alfândega. E a ansiedade só aumentava. Decidimos, mais uma vez disfarçar jogando “um bobinho”, fazendo “embaixadinhas” com a bola enquanto esperávamos nosso líder tentar resolver a situação.

Para aumentar a pressão, os novos testamentos, que também foram  acomodados no corpo começaram a nos incomodar por causa dos movimentos e, principalmente da demora ali. Alguns dos atletas mais experientes do time começavam a perder a paciência e a estampar o medo em sua face (de fato, orando como nunca oraram na vida!).

Em muitas nações, irmãos aguardam a ação da Igreja Livre

Passados alguns minutos, que pareceram uma eternidade, Deus nos enviou socorro e o problema com a imigração de um dos nossos jogadores foi resolvido. Por ser cidadão português, ele necessitava de visto e dai todo time retido até que fosse dado o visto ao garoto Zé, o “juvenil” do time.

Ao passar pela imigração, as malas foram revistadas, e pela graça de Deus, e o fato de sermos futebolistas brasileiros, os fiscais não fizeram questão de revistar minuciosamente. Passamos e logo que entramos no trem, com destino a capital do país, o alivio geral. Ufa!!! De fato, sentimos na pele e por algumas horas, o que o Irmão André fez a vida toda dando origem ao movimento de amor da Igreja Livre para a Igreja Perseguida encarnada hoje a Missão Portas Abertas. 

Lembro que enfrentarmos e vencemos vários times e até empatamos com a seleção sub-23 do país (contarei noutra oportunidade), mas sem dúvidas, nossa maior vitória foi ouvir de um pastor local que muitos crentes, que não podem se reunir ou cultuar publicamente, esperaram por anos pela Palavra de Deus em sua própria língua que acabávamos de trazer.

Estou certo de que esta foi uma daquelas vitórias que só descortinaremos por completo na eternidade!